quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Actualidade e Intemporalidade do “Sermão de Santo António aos peixes”




Sermão – s.m. Discurso que o padre pronuncia no púlpito, para exortar os fieis. Prática moral. Fig. Arrazoado fastidioso. Censura importuna. Repreensão.
Dicionário de Língua Portuguesa


Sermão é um texto expositivo-argumentativo com o objectivo crítico. O Padre António Vieira, no seu sermão, utilizou a metáfora dos peixes para criticar os vícios dos homens. Quando satiriza os defeitos dos peixes, na realidade, tenta repreender os homens dos seus pecados e quando compara as qualidades dos peixes com as qualidades do Santo António tenta converter os ouvintes. Mas qual será o alcance desta crítica?
Do ponto de vista religioso a critica é intemporal, pois refere-se aos valores religiosos baseados na Bíblia e nos pecados humanos, que são eternos, infelizmente. Por um lado para a sociedade cristã Bíblia é universal e inquestionável, o que provoca o aparecimento de dogmas que servem de base para conhecimento religioso e para as normas morais. Por outro lado, os pecados humanos são intemporais, pois parece que fazem parte da própria natureza do Homem. Gula, cobiça, ira, adultério, mentira, vaidade e hipocrisia. São tudo pecados humanos imutáveis no tempo. Já desde Adão e Eva que os humanos cometem acções moralmente incorrectas, levados pela sua natureza animal e desuso da razão ou pelas suas emoções e paixões. O mais importante não muda, apenas, com o tempo a maneira de cometer o mesmo pecado torna-se mais minuciosa e elaborada. Com todo o nosso avanço tecnológico e científico o nosso progresso moral de dois mil anos pode ser considerado nulo, pois a tecnologia abriu as novas formas de cometer os mesmos pecados mortais. Essa é uma das razões palas quais o sermão do Padre António Vieira é intemporal e actual. Outra causa desta característica também está profundamente ligada os valores morais e religiosos. Os valores católicos continuam bastante actuais, por isso, o sermão que se baseia neles também permanece actual e continua cativar a atenção do auditório. Assim, se as idiossincrasias não mudam a crítica também não muda.
No seu sermão o Padre António Vieira trata de vários assuntos curiais da sua época, pois o sermão tinha de ser actual para encontrar a compreensão nos corações dos ouvintes. No entanto de que temas trata o sermão?
Logo no exórdio, o pregador esclarece as razões pelas quais vai pregar aos peixes: a terra não se deixa salgar – os homens não querem receber a verdadeira doutrina, não agem de acordo com ela, imitam o mal exemplo e servem os seus apetites antes de seguir a palavra de Cristo. Se este comportamento humano fosse ultrapassado no nosso tempo não compreendíamos o sermão, pois não teríamos a mínima ideia de que tipo de acções moralmente condenáveis fala o Padre António Vieira. No entanto, as suas palavras encontram compreensão no nosso coração, pois todas estas situações são nós muito próximas, quase íntimas. Cada dia vemos pessoas materialistas, hipócritas e mesquinhas na televisão, nas primeiras páginas de jornais e revistas, na escola e no trabalho, e pior do que isto, podemos vê-las na nossa casa e no nosso espelho quando vamos lavar os dentes. Vivemos num mundo materialista, numa sociedade consumista. O nosso objectivo não é progredir moralmente ou espiritualmente, o nosso objectivo é comprar uma televisão LCD, ter dois carros e ser tão famoso como um jogador de futebol da Benfica. E não vale a pena dizer que 95% da população mundial acredita em Deus e que a sua vizinha D.Estefânia vai todos os domingos a missa. Por ir a um ritual religiosa a pessoa não recebe a indulgência, só é digno quem age por puro dever e de acordo com a moral e não aquele que tenta parecer bom cristão. No tempo de Vieira a população era ainda mais religiosa, mas continuavam a cometer pecados. Então não é uma questão de ser religioso? Não! É uma questão de agir de forma moralmente correcta, agir bem. E isso depende da natureza do Homem, mas como já vimos a nossa maneira de ser não muda. Exemplificando: uma pessoa encontra a carteira na rua e até sabe de que é o objecto, mas quantas pessoas é que devolviam a carteira se tinham a certeza de que ninguém as viu e ninguém as punia se levassem o dinheiro da outra pessoa? E quantas pessoas diriam a verdade se isso prejudicasse os seus interesses? Raras, raras são as pessoas honestas e imparciais. Tanto no passado como na actualidade a norma é não ser honesto. Já o próprio Vieira dizia: “…antes bastava ser português e agora tem-se de ser um santo…”. É por ter essa visão que transcendia a sua época que o Padre António Vieira era considerado um visionário.
E se nada muda, se não há uma evolução moral é porque as pessoas não querem ouvir e não querem seguir o que é moralmente correcto. Maior parte de nós raramente sacrifica os seus interesses para ajudar os outros ou para agir de modo moralmente correcto se isso, mais uma vez, não lhes favorece.
Relembrando, a sociedade da época de Vieira era uma sociedade de colonos e colonizados. Deve-se notar que a colonização de territórios brasileiros não foi muito pacífica para os índios, antes pelo contrário, era destruidora para a sua cultura e liberdade. Os colonos tentaram explorar os povos nativos da América do Sul, pois era uma mão-de-obra muito mais barata do que os escravos negros. Então, é assim que começou a escravização dos índios. Embora existiam leis que restringiam as condições para escravização de índios os colonos raramente as cumpriam e os governadores estavam em conivência com eles. Assim, mais uma vez o povo mais desenvolvido tecnologicamente acabou por oprimir e destruir a civilização dos índios. Comparando com a actualidade podemos verificar que a atitude de humanos não mudou, pois basta vez o que acontece aos povos menos desenvolvidos ou aos aqueles que perderam a guerra. Os grandes comem os pequenos – os países mais poderosos exploram os menos desenvolvidos. Os países desenvolvidos exploram os recursos naturais dos países em desenvolvimento, criando uma pobreza ainda maior. Num plano menor, as grandes empresas acabam com as pequenas, e os mais ricos ganham as suas fortunas a custa dos mais pobres e não dos outros ricos. Tudo tal como o padre vieira dizia.
Outro problema é que as pessoas sempre tinham o medo, e como a consequência o ódio, de tudo que diferente, estranho e incompreensível para eles devido a sua ignorância. O racismo não é um problema do século XX e XXI, já no tempo de vieira relevava-se na relação entre os colonos e os colonizados. No tempo de Vieira ainda existia a escravatura, os africanos e os índios eram consideradas as pessoas da classe mais baixa, ou até animais e objectos. Podiam ser vendidos, explorados, assassinados sem ninguém os defender, só porque eram da outra raça. Como os europeus pensavam a sua raça era inferior a raça europeia, só por não terem a tecnologia tão desenvolvida ou por terem costumes que pareciam bárbaros aos colonizadores. Mas nada disto faz com que eles deixam de ser seres humanos, com alma, razão e consciência. Não é a aparência que faz do Homem um ser racional, mas sim o modo como ele age. E deste ponto de vista, quem são os verdadeiros animais cruéis são os colonizadores que tentam justificar os seus crimes pela aparente ignorância dos índios.
Infelizmente, o racismo é um fenómeno prolongado. Para compreender isso basta considerar alguns factos históricos. Um dos exemplos é a postura dos romanos perante os outros povos. Os romanos consideravam que eles eram superiores aos outros povos, e tornavam o seu desenvolvimento científico, cultural e tecnológico a causa de discriminação e de racismo. No século XX, o racismo foi uma das causas da maior tragédia da toda a história da humanidade – da Segunda Guerra Mundial. Só por serem consideradas inferiores milhões de pessoas foram torturadas e assassinadas de maneiras mais cruéis pelos nazis. A discriminação das pessoas africanas, asiáticas ou árabes continua a existir ainda hoje.
Como já vimos, o racismo que foi denunciado pelo António Vieira, não tanto no Sermão de Santo António aos peixes, como em outras obras que ele escreveu não é um fenómeno restrito e isolado, mas uma realidade bastante actual.
As pessoas não devem de se esquecer que não são melhores aos outros só por terem características físicas mais apreciadas pela sociedade em que vivem, isso são apenas estereótipos que não importam, o que importa é o aspecto moral. A vaidade leva as pessoas a cometer acções terríveis e injustas. E tal como o Vieira diz, não se deve tentar ser mais do que aquilo que Deus permitiu, pois as pessoas foram criadas todas iguais nos seus direitos e deveres, todas livres e racionais. Assim, o racismo é inaceitável, pois tenta passar a ideia de que uns são mais livres e mais humanos que outros. Mas ninguém gostaria de estar no lugar dos que são discriminados. E mesmo aqueles que não se preocupam com a ética devem saber que os estereótipos e as modas mudam, e um dia aquilo que era apreciado poderá ser odiado, invertendo a situação. Por isso, todos devemos seguir o velho mandamento, também conhecido como Regra de Ouro na Filosofia, “Trata o teu próximo tal como tu gostariam que te tratassem.”
Obviamente, existe o relativismo de padrões culturais, mas não podemos confundir o relativismo cultural com o relativismo moral. A cultura evolui, pois até o nosso comportamento durante as refeições actualmente é completamente diferente do comportamento dos homens há milhões de anos atrás. Isso chama-se a evolução, mas existe uma forma mais corrompida de relativismo de padrões culturais é aquele que leva ao relativismo ético e a hipocrisia. Pois, frequentemente, nós achamos que podemos cumprir as normas morais só quando isso é do nosso interesse, ou pior só cumprimos as normas sociais. “Em Roma sê romano.” Mas esse relativismo abusivo cria uma tolerância terrível. Assim, se vivemos numa sociedade em que maioria não segue as normas morais o relativismo manda seguir as tradições desta sociedade, ou seja agir mal. No entanto, isso é impensável. O relativismo não pode justificar nem acções passadas nem a hipocrisia actual, pois todos sabemos quais são os princípios éticos e todos podemos facilmente deduzir como será uma sociedade sem a moral (basta dizer que neste caso podíamos aceitar moralmente, por exemplo, o assassínio). Seria uma sociedade sem o mínimo progresso moral!
O polvo no sermão de António Vieira representa a traição, a hipocrisia e a falsidade. Este defeito dos homens é tão comum e compreensível hoje em dia que se torna banal. E tal como no tempo de António Vieira os colonos e os comerciantes consideravam que a hipocrisia e a arte de enganar (eles tornaram isso quase uma arte) eram usadas para conseguir obter mais lucro, enganando os outros, hoje em dia os políticos e os grandes homens dos negócios fazem o mesmo. Por isso, este pecado já é tão nós familiar que não vale a pena comenta-lo, pois os exemplos estão a nossa volta, mas talvez vela a pena relembrar aos que se esqueceram que não é uma norma comportamental, é um PECADO.
A cobiça está fortemente ligada à exploração dos mais pobres e mais desprotegidos. A nossa sociedade é uma sociedade consumista o que automaticamente faz dela um mundo de materialismo. Mas se no século XVIII a pessoa era “moída” logo após a morte, actualmente as pessoas são moídas ainda vivas. Quantos são explorados pelos empresários nos países do terceiro mundo, e quantos são explorados pelos esposos e esposas, e pelos filhos e pela própria família? Inúmeros.
Este sermão não só é valioso pelo seu conteúdo como também pode ser apreciado pela forma. No Barroco a produção parenética era abundante, mas tal como o próprio estilo Barroco os sermões frequentemente continham um discurso difícil e exuberante, carregado de palavras complicadas, mas frequentemente com pouca lógica e de difícil compreensão. Mais uma vez devemos elogiar o Padre António Vieira, pois ele conseguiu fazer um sermão bastante compreensível, embora rico em termos de conteúdo, inteligente na maneira como irónica e critica a sociedade através de uma alegoria e abundante em termos de recursos estilísticos como metáforas, comparações, aliterações, enumerações, ironias e interrogações retóricas. O autor construiu o sermão para este cativar a atenção, lembrando-se das pausas, entoações e mudanças de ritmo que enriquecem o discurso e não o tornam monótono. É um texto que impressiona também pela forma como está escrito.
Os objectivos do sermão é ensinar, deleitar (agradar) e persuadir (converter) – “docere, delecter, mover”. Como já foi visto o sermão deleita o ouvinte com a forma como está escrito. E como é um texto rico em forma e, principalmente, em conteúdo, tratando de problemas que tocam o publico. Pode ser considerado uma crítica construtiva, pois crítica o Mal e mostra os bons exemplos, elogiando o bem, logo ensina os ouvintes a verdadeira doutrina. Finalmente, o sermão é um discurso retórico e por isso tenta persuadir o s ouvintes. Não nós podemos esquecer que as palavras têm um poder terrível, podem salvar a vida quando dão esperança, podem tornar cada um a pessoa mais feliz do mundo, por exemplo, quando uma mãe houve a primeira palavra do seu filho ou quando ouvimos da pessoa que mais gostamos – “Eu amo-te.”. No entanto, a palavra pode ferir pior que uma espada, pois conhecemos bem os casos do quotidiano, e mesmo os factos históricos quando um exército invade um país porque alguém disse que esse país vai usar armas químicas contra os outros, embora não se tem provas, ou quando alguém recebe o premio Nobel da Paz só pelas belas promessas. E não é preciso ir muito longe, um discurso retórico persuasivo pode levar a uma guerra, a uma revolução ou a uma catástrofe económica. Incrivelmente, é mais difícil converter as pessoas de modo a seguiram o Bem do que convencer escolher o Mal. Mesmo assim, o discurso do padre António Vieira é uma forte crítica social, e uma das provas que converteu alguém é o facto de ser ainda dada na escola e de ser considerada um exemplo a seguir.
Como já foi visto, O Sermão de Santo António aos Peixes declamado pelo Padre António Vieira é uma crítica social que permanece actual e, provavelmente, continuará fazer sentido nos próximos anos. Pois é um texto que trata de valores éticos que são intemporais e imutáveis, e da própria natureza humana que mantém se inalterável.
Concluindo, se alguém me perguntar se o sermão é actual hoje em dia eu direi que é ainda mais adequado para a situação actual do que para a do século XVIII, pois a nossa sociedade está ainda mais corrupta do que a sociedade da época de Vieira. É porque há poucos sermões hoje em dia estamos nesta situação, pois raramente ouvimos as vozes que nos criticam, preferindo escutar aqueles que nos elogiam e deleitam, esquecendo que muitas vezes acabam por explorar-nos e levar a morte como as sereias levavam os marinheiros. E se alguém não compreender a mensagem moral não é porque o sermão é de difícil compreensão, é porque não quer ouvir, ou porque desaprendeu pensar limitando-se a engolir toda a informação que vem de Internet e da televisão. Esperemos que não seja porque não consegue compreender a essência deste texto – o facto de os pecados serem moralmente inaceitáveis – pois isso significava que a imoralidade tornou-se uma norma.


Anastasiya Strembitska

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A Liberdade Humana: realidade ou ilusão?


0.
Hoje em dia é habitual ouvir falar de Direitos Humanos, de Democracia, de direitos de consumidor, de liberdade de orientação sexual, de crenças religiosas. Os políticos prometem a liberdade de pensamento e de expressão. De facto, gostamos de pensar que somos mais livres que os nossos antepassados devido ao progresso tecnológico e social. No entanto, ser livre, agir livremente são expressões com vários significados, empregues em vários sentidos. O objectivo da reflexão filosófica é analisar o que significa ser livre, se somos verdadeiramente livres e em que condições podemos agir de forma livre. Neste artigo vamos tentar introduzir o problema de liberdade e analisar em que medida somos ou não livres nos nossos actos de vontade.
1.
Qualquer acto humano é um acontecimento, mas o acto voluntário envolve a intenção do agente. Como qualquer acontecimento o acto voluntário (intencional) é o efeito de uma causa, causa essa que nós chamamos os motivos da acção. No entanto, não só os motivos compõem a acção voluntária, é necessário haver a deliberação do agente, que é avaliação das diversas circunstâncias da acção em função dos fins que o agente se propõe. Após a deliberação o agente chega a uma decisão, porém, também devem ser considerados os fins ou as finalidades. Depois da concepção da acção voluntária segue a sua realização que obriga o agente mobilizar os meios no mundo físico para chegar a um certo resultado. Finalmente, o último componente da acção voluntária são as consequências que o agente deve assumir, independentemente do facto dessas coincidirem ou não com as suas intenções.
Para o estudo da liberdade humana temos de considerar os actos voluntários e reflectir em que medida somos livres nas nossas acções conscientes.
2.
Agir livremente envolve diferentes dimensões de liberdade como o livre-arbítrio, autarquia, autonomia e autognose. O livre-arbítrio é a capacidade do agente decidir por si entre várias alternativas de acção. Porém, a capacidade de realizar a acção por si mesmo – autarquia – também é uma dimensão de liberdade, tal como a capacidade de instituir a si próprio uma norma de acção – autonomia, e a possibilidade de conhecer a si mesmo.
No entanto, cada acontecimento, incluindo os actos voluntários, tem uma causa. Seguindo diferentes perspectivas filosóficas existem causas determinantes e condicionantes. As causas determinantes não deixam ao agente a possibilidade de livre-arbítrio, enquanto as causas condicionantes apenas influenciam a acção do agente, mas este pode decidir entre vários cursos de acção.
Os libertistas afirmam que existem acções livres, ou seja, o livre-arbítrio, e que o agente é a causa primeira da sua acção numa cadeia de causalidade. Entretanto, como é que as causas mentais (não físicas) podem causar efeitos no mundo físico?
Outra teoria que se opões ao libertismo é o determinismo. Os deterministas afirmam que existe uma causalidade necessária, isso é, reproduzindo as mesmas causas e criando as mesmas condições vamos constatar o mesmo efeito necessariamente. Outra característica é que os deterministas aceitam somente as causas determinantes, que transcendem completamente o agente e que o agente ou não conhece ou não controla. Assim, o agente não é livre nas suas acções, logo é determinado.
Existe ainda a perspectiva compatibilista que aceita as causas determinantes e condicionantes. Logo, o agente, embora condicionado pode agir livremente, pois pode deliberar e decidir enquanto ser racional. A posição de Kant é uma posição compatibilista, pois afirma que o agente enquanto ser da natureza é determinado pelas causas anteriores e leis da Natureza, mas enquanto ser racional é livre na sua deliberação e decisão, uma vez que, ao contrário das leis da Natureza, as normas sociais e a Lei Moral não anulam o livre-arbítrio.
3.
Examinamos um caso concreto e vamos partir da hipótese de que o determinismo é verdadeiro. Por exemplo, após o almoço vais comer sobremesa e tens de escolher entre o bolo e a maçã. Racionalmente, a maçã é mais saudável e o bolo engorda, logo devias escolher a maçã. No entanto, queres comer algo doce e optas por comer o bolo. A maioria das pessoas dirá que nesta situação tinha a possibilidade de livre-arbítrio, logo podia optar tanto pela maçã como pelo bolo. O determinista afirma que a acção de escolher o bolo foi determinada e dependia de causas que o agente guloso não controla ou por causas que o sujeito ignora, porque nem sequer conhece ou transcendem a sua consciência: causas físicas ligadas à natureza do seu organismo ou à hereditariedade, factos mentais relativos ao seu processo de racionalização. Assim, reproduzindo as mesmas condições e causas os efeitos reproduziram-se necessariamente e serão sempre os mesmos. As nossas escolhas são determinadas e nós não somos responsáveis pelas nossas acções, consequentemente. Deste modo, se o determinismo for verdadeiro ninguém pode ser razoavelmente responsabilizado pelas suas acções? A resposta é – não. O determinismo admite que existe a responsabilidade social, ou seja, o agente pode ser responsabilizado pelo que faz, não pelo escolher fazer. Concluindo, um criminoso não deixa de ser culpado por não controlar as causas das suas acções, pois os seus comportamentos, pelos efeitos e consequências que têm para os outros, não deixam de ser graves. Logo, o determinismo enquadra-se perfeitamente a nossa realidade.
4.
Em conclusão, se o libertista partidário do livre-arbítrio não conseguir mostrar que o agente pode conhecer e controlar todas as causas relevantes para as escolhas que fazemos, então a posição determinista parece ser a mais forte.
Anastasiya Strembitska

sábado, 13 de junho de 2009

“O Barão de Lavos”





Editora: Livraria Chardron (1ª e 2ª edição)

Autor: Abel Botelho
Abel Acácio de Almeida Botelho nasceu em Tabuaço, no dia 23 de Setembro de 1855. Durante sua vida foi militar e diplomata português, porém formou-se como medico e destacou-se como escritor.
No exército passou o percurso desde o soldado raso até ao coronel. Pertenceu a várias agremiações como Academia das Ciências, Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses, de Lisboa e do Porto, Associação da Imprensa, Sociedade Geográfica de Lisboa, entre outras.
Como escritor representou Portugal do realismo extremo, de uma maneira Naturalista, sem atenuar a realidade. Em 1891 iniciou a séria da Pathologia Social[AS1] , na qual analisava com a precisão e perspicuidade os males que afectavam Portugal e, nomeadamente, Lisboa.
Abel Botelho morreu na Argentina, no ano 1917, provavelmente no dia 24 de Abril, durante Primeira Guerra Mundial.


Resumo:
O romance foi escrito pelo Abel Botelho e publicado em 1891. É o primeiro livro da série Pathologia Social que trata de um tema relacionado com a sociedade e as patologias sociais, neste caso “O Barão de Lavos” levanta o tema da homossexualidade.
A história começa em 1869, D. Sebastião, conhecido como Barão de Lavos, é um membro da alta sociedade que apesar de ter uma esposa, Elvira, tem um lado antagónico, quase animal. Este lado oposto da sua vida caracteriza-se pela obsessão patológica pelos jovens. No entanto, apesar a sua paixão sindromática o Barão de Lavos não é criticado nem expulso da alta sociedade, embora as suas preferências não são muito subtis. A sua queda moral e social começa quando ele apaixona-se por um jovem de dezasseis anos, Eugénio. O rapaz começa explorar o barão economicamente e entra na sociedade a qual o barão pertence. Passando algum tempo, Eugénio e Elvira tornam-se amantes e quando o D. Sebastião descobre a traição não consegue voltar a vida normal.
Gradualmente, o Barão de Lavos perde o seu estatuto, económico e social. No final da sua vida ele encontra-se praticamente na miséria, sustentado por poucos amigos, é uma pessoa sem moralidade e dignidade humana. A história acaba com a morte do Barão de Lavos, infâmia e violenta.

Selecção de um texto
“As leis morais são as regras de um jogo no qual todos fazem batota, e isto desde que o mundo é mundo.”[AS2]
Jean Cocteau

Excerto do livro:
“Poder de resistência nenhum. Escravo da cacochymia ingénita, ia trupando cegamente na cauda dos seus instintos. Sentia a alma amaurotica, deprimindo o coração, os nervos despolarisados.
De principio, antes de conhecer Eugénio, estas predilecções antinaturnes tinham de ordinário uma acção toda exterior e uma duração ephemera. …
…Assim, se a coisa era possível, o móvel, o objecto de arte era comprado: o ephebo cedia ao suborno, ao lenocínio, nos mais baixos meios de sedução. “

Comentário:

O Barão de Lavos é o primeiro livro da série Pathologia Social escrita pelo Abel Botelho. É um livro polémico, pois retrata a sociedade contemporânea tal como ela é, com todos os seus defeitos e injustiças. Visto que hoje em dia a homossexualidade já não é considerada uma doença e é socialmente aceite em vários países, o livro é visto com perspectiva e releva aspectos da vida social que até são mais graves e que demonstram a decadência moral das pessoas.
A história começa em 1869, em Lisboa. Portugal do século XIX é representado por uma cidade e nesta representação o escritor consegue resumir os aspectos mais relevantes da vida do século XIX. A sociedade é subdividida em classes, umas privilegiadas e outras exploradas. A alta burguesia e nobreza têm uma vida luxuosa, formando alta sociedade. Esta harmonia contrasta com a infausta existência dos mais pobres e desfavorecidos que são explorados e rebaixados, estas pessoas pertencem a classe de proletariado ou até as mais baixos estatutos sociais, tal como prostitutas ou sem-abrigo.
O autor analisa a sociedade contemporânea com a precisão de um médico. Todas as patologias sociais são expostas com uma objectividade extrema que leva o leitor a uma crítica e reflexão sobre as normas sociais e a hipocrisia. Baseando-se no livro podemos verificar que a maneira como o autor escreve está interligada com a sua carreira profissional, pois ele foi médico e nos seus livros aparecem marcas características tanto na linguagem, quando ele utiliza palavras como “sindroma” ou “patologia”, como na maneira de expor a história, para o autor tudo tem uma causa e a decadência moral das pessoas é vista como uma patologia. A ideia de causalidade necessária aparece na discrição da “paixão sindromática” do Barão de Lavos, pois o autor explica que ele é de uma família cujo antepassado foi o filho ilegítimo de um rei. Assim, a imoralidade da personagem deriva do seu passado e não aparece por acaso.
Como já foi referido, o livro é uma espécie de crítica social que expõe à superfície todos os defeitos que a nossa sociedade tem, mas esconde por baixo da mascara de hipocrisia. Ao longo do livro percebemos que muitas personagens não são inocentes, mas pelo contrário, iniciaram uma certa decadência moral. O Barão de Lavos, D. Sebastião, é o caso mais flagrante – um homossexual (ou bissexual), sedutor que não controla os seus vícios e paixões animais, no final do livro é totalmente arruinado como personalidade, perdendo seu estatuto social e económico, o que o leva a roubar dinheiro ao seu amigo. A sua esposa, D. Elvira, que acaba por trair o seu marido. O Eugénio, que não só vende o seu corpo, mas também roubou no passado e explora o Barão economicamente para sustentar sua amante. E por último, toda a sociedade, que apesar conhecer o vício do Barão aceita-o enquanto ele é útil, mas acaba por ignora-lo quando ele perde o seu capital. A sociedade releva toda a sua hipocrisia e a maneira mesquinha de ser, as normas morais parecem ser muito relativas, pois quem tem dinheiro não é obrigado a cumpri-las.
A sociedade não aceita facilmente as diferenças. Assim, a homossexualidade era considerada uma doença até ao ano 1987, quando a organização mundial de saúde retirou-a da lista de doenças e patologias. No entanto, a sociedade importa-se mais com o aspecto económico e não com aquilo que as pessoas são efectivamente.
As normas sociais e morais são efectivamente muito relativas, pois variam de sociedade para a sociedade e consoante a época. Relembrando, a homossexualidade na Grécia Antiga era uma prática social considerada normal e, por vezes, preferível ao amor entre homem e mulher. Hoje em dia há países onde os homossexuais podem casar-se, pois tal atitude é socialmente aceite, mas em muitos países árabes as práticas homossexuais são puníveis pela lei.
Comparando a sociedade do século XIX e a sociedade do século XXI parece que todo o avanço tecnológico e científico não alterou efectivamente nada, pois, a sociedade capitalista e consumista preocupa-se em primeiro lugar com os benefícios económicos. A pobreza, a imoralidade e a hipocrisia são únicas características que não se alteram, infelizmente. Nesta perspectiva, a obra apresenta uma intemporalidade, pois tudo se altera menos a mente das pessoas.
Deve-se notar que o autor utiliza uma linguagem muito elaborada e a maneira como ele escreveu torna o livro muito agradável para a leitura. As descrições que o autor faz são muito pormenorizadas e reais. As personagens também foram cuidadosamente elaboradas e desenvolvidas. Podemos concluir que não são personagens planas como as personagens tipo de Gil Vicente, desenvolvem-se e modificam-se, embora representam os pecados e a amoralidade da sociedade. O estatuto e a educação do Barão de Lavos contradizem com a sua paixão sindromática e o sentimento estético pervertido. Parece que é um homem que se transforma num animal controlado pelos seus vícios e instintos. Todas as personagem ilustram a natureza contraditória e animal do Homem, todos respeitam as normas morais enquanto é do seu interesse, mas quebram-nas quando é lhes favorável, demonstrando o espírito de amoralismo.
Deste modo, a obra leva o leitor a uma reflexão sobre a sociedade e a natureza humana. É um apelo à consciência humana. Pessoalmente, recomendo a leitura desta obra, pois apresenta uma crítica social muito profunda, sendo quase uma reflexão filosofica.

Anastasiya Strembitska



[AS1]
Ø 1891 - O Barão de Lavos
Ø 1898 - O Livro de Alda
Ø 1901 - Amanhã
Ø 1907 - Fatal Dilema
Ø 1910 - Próspero Fortuna



[AS2]As regras morais são normas que a sociedade institui. No entanto, nem sempre todos respeitam estas normas, pois a própria natureza do ser humano leva o Homem quebrar as regras. Os seus instintos, desejos e ilusões, frequentemente, sobrepõem-se à moral. Isto leva ao desenvolvimento da hipocrisia, pois a queda moral afecta não só os que quebram as normas, mas também aqueles que o deixam fazer ou fecham os olhos perante a imoralidade. Em última análise a sociedade degrada devido à conivência dos humanos que ignoram a imoralidade. Assim, o efeito da hipocrisia é a degradação moral, é o processo da pathologia social que gera um ciclo fechado onde o efeito amplia a causa.

sábado, 28 de março de 2009

Geração Blogue. Analise do Livro

“Geração Blogue”


Editora: Editorial Presença

Autor: Giuseppe Granieri
Giuseppe Granieri, um dos maiores especialistas italianos de comunicações e cultura digital. Durante muitos anos escreve sobre tecnologia e sociedade. Actualmente colabora como jornalista com diversas publicações do sector, entre as quais a Internet Pro, Internet News e Il Sole 24 Ore - @lfa. O escritor é bastante conhecido na blogosfera, onde escreve posts com frequência.

Resumo:
O livro aborda um tema bastante interessante que surgiu recentemente com o desenvolvimento colossal da Internet – os blogues.
O que é um blog? Qual é a sua utilidade? Como é que influencia o nosso mundo? São tudo perguntas às quais o autor tenta responder de modo a alertar o público para uma série de alterações que ocorrem à nossa volta. Os blogues têm um papel significativo na nossa comunicação, pois são um meio acessível a cada um de nós que nos permite expor a nossa opinião e efectuar um intercâmbio de informação sem sofrer de influências políticas, religiosas, entre outras.
O autor analisa outros temas ligados à “blogosfera”, como é o caso do “super Google” e do sistema político em que nós existimos, a chamada “democracia[AS1] ”…

Selecção de um texto
"A força desencadeada pelo átomo transformou tudo menos nossa forma de pensar. Por isso caminhamos para uma catástrofe sem igual".[AS2]
Albert Einstain

Excerto do livro:
“Os cidadãos dos países mais avançados não sabem muito do que acontece à sua volta. Têm mais sorte do que os antigos e certamente estão mais informados do que os seus contemporâneos do Terceiro Mundo. Contudo, vivem e participam na democracia através de “representação da realidade” bastante parcial.”




Comentário:


"Armas silenciosas para guerra tranquilas"[AS3]


Meios de comunicação – o império de imagens, sons, metáforas, informação e de manipulação de opinião pública. No mundo da democracia é difícil instalar uma tirania subtil, mas esta ditadura existe… Para dominar o povo devemos prometer-lhe liberdade e se os cidadãos acreditam que são livres nas suas escolhas, actos e nas suas mentes a tirania atinge o auge da sua eficácia. Os meios de comunicação são as portas para as mentes das pessoas, a sua função é informar e a partir desta informação as pessoas formam a sua opinião, mas se derrubar os factos conseguimos alterar a concepção do mundo da maior parte de população. O que acontece é que os meios de informação são frequentemente subjectivos e tendenciosos.
No ambiente de globalização mundial, o produto mais valioso é a informação, quem controla a informação controla tudo. Neste mundo, os canais televisivos são ferramentas de manipulação de governos e, por sua vez, os políticos são marionetes de “grandes senhores”. Estes homens governam este mundo, efectivamente. Têm um poder económico colossal e toda vida política, económica e militar do planeta não passa de um “Grande Jogo” de um grupinho restrito de seres humanos. Por exemplo, a Revolução de 1910 tinha como os principais ideólogos e apoiantes duas organizações secretas (Maçonaria e Carbonaria), desde 1935 até a actualidade o símbolo da Maçonaria encontra-se gravado na moeda de E.U.A.. Tudo isso leva a crer que existem forças que nos controlam. O livro”Geração Blogue” refere o caso de motores de busca, como o Google e Yahoo, que guardam a informação sobre todas as pesquisas que nós fazemos no dia-a-dia. A posterior utilização desta informação é o assunto que não podemos controlar e que nos transcende completamente. O cartão de crédito, um objecto tão útil e tão comum, mas não passa pela cabeça de nenhum utilizador de multibanco que assim que ele utiliza o seu cartão de credito toda sua informação pessoal fica quadrada num super-computados de Serviços de Segurança dos E.U.A..
Nestas condições, um indivíduo é controlado e manipulado. Todo a nossa “liberdade” é uma ilusão que acaba por capturar cada um de nós. A maioria dos conflitos, revoluções e reformas não são declaradas. Nós agimos conforme fomos ensinados, somos apenas meios para certas pessoas ou organizações atingirem os seus objectivos. A opinião pública é manipulada pelos meios de comunicação e aqueles que estão contra acabam por ser esquecidos. As pessoas que são contra o regime sempre foram perseguidas. Antigamente, a maioria dos opositores desistiam das suas ideias ou acabavam a vida na guilhotina, no século XX eram eliminadas fisicamente, mas na actualidade a forma mais eficaz de fazer esquecer “as vozes antagonistas” é fazer não acreditar. Mesmo as pessoas reconhecidas podem ser levadas ao mais ridículo, culpadas de crimes mais amorais ou, simplesmente, proibidas de aparecer na televisão, rádio, etc.. Para afastar o público de problemas globais são criados outros problemas sintéticos de pouca relevância mas que acabam de parecer as catástrofes colossais depois de uma intensa divulgação. Existem teorias que afirmam que o atentado de 11 de Setembro e a Guerra de Iraque foram provocados por serviços de segurança de EUA para afastar a atenção pública para problemas económicas que oito anos mais tarde transformaram-se numa crise económica e financeira mundial. É curial dizer que o documentário que analisava os acontecimentos de 11 de Setembro e que referiu alguns factos desfavoráveis a reputação de presidente Bush foi proibido nos EUA ao nível federal.
Quando um simples indivíduo critica o Estado este não se sente minimamente ameaçado, pois a divulgação de opinião pessoas é extremamente difícil se recorrermos aos canais televisivos. Nestas condições, o desenvolvimento tecnológico e a expansão de Internet é maná para maioria de pessoas. Os blogs são um produto de interacção da cultura e tecnologia. A Internet é o único meio de comunicação que não pode ser sujeito à censura total, blogs são uma possibilidade real e acessível a todos de exprimir a sua opinião pessoal. O intercâmbio de informação sob a forma de opiniões, impressões, experiências e factos acelera o desenvolvimento da inteligência colectiva. Cada um de nós possui nas suas mãos uma ferramenta para mudar o mundo a sua volta. Acredito que é possível alterar parcialmente a nossa realidade, a única condição é ter um pensamento criativo que limita o controlo sobre o indivíduo e não hesitar na decisão.Neste perspectiva o livro “Geração Blogue” fornece um breve, mas bastante informativo esclarecimento sobre o fenómeno conhecido como blogs. O seu objectivo é informar e alertar o leitor. De facto, o desenvolvimento tecnológico altera tudo, mas não é capaz de mudar a nossa forma de pensar o que pode levar-nos a uma catástrofe sem igual. A informação pode ser a cura da ignorância ou uma arma silenciosa numa guerra imperceptível. Neste momento não me parece que somos livres nas nossas escolhas, mas como seres potencialmente racionais podemos conquistar a liberdade. Essa conquista não requer um esforço militar, mas sim um esforço mental colectivo.

[AS1]O autor considera a democracia o sistema governamental mais justo, entretanto aponta para uma deturpação de ideais democráticos realizada pelos políticos o que provoca um funcionamento deficiente do sistema e prejudica os direitos de indivíduos.

[AS2]O nível de conhecimento científico tem vindo a aumentar, mas isso não influencia o nosso nível de consciência colectiva e de sabedoria. Actualmente, continuamos a praticar uma política de auto-destruição utilizando a maioria de descobertas cientificas como meios de agressão militar.

[AS3]Existe um livro que aborda o tema de manipulação de população através da linguagem utilizada nos meios de comunicação

Anastasiya Strembitska

Fevereiro/Março de 2009

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O meu ser



A miséria do meu ser,

Do ser que tenho a viver,

Tornou-se uma coisa vista.

Sou nesta vida um qualquer

Que roda fora da pista.


Ninguém conhece quem sou

Nem eu mesmo me conheço

E, se me conheço, esqueço,

Porque não vivo onde estou.

Rodo, e o meu rodar apresso.


É uma carreira invisível,

Salvo onde caio e sou visto,

Porque cair é sensível

Pelo ruído imprevisto...

Sou assim. Mas isto é crível?


Fernando Pessoa

Selecção genética



Hoje em dia é frequente ver notícias sobre avanços de genética. Ninguém fica surpreendido quando os cientistas mostram ao grande público os últimos resultados das suas experiências, primeiro foi uma ovelha chamada Dolly, agora já aparecem clones de cães, gatos, entre outros. No futuro mais próximo pode surgir clone de um mamute e, certamente, isso não é o limite de possibilidades da genética. Já existem laboratórios que investigam as doenças genéticas, o genoma humano já foi descodificado e a reprodução in vitro é uma realidade.
Por um lado, os avanços da Genética fornecem conhecimentos importantíssimos que se aplicam na medicina. O diagnóstico e o tratamento das doenças são facilitados. Obviamente, muitos dos cidadãos apoiam a genética, embora já ouve um período quando genética foi proibida em países de URSS, os católicos também não a apoiavam, até as sociedades mais liberais limitavam as áreas de investigação genética. Todavia, a engenharia genética levanta grande polémica entre especialistas, pessoas religiosas e população, pois a genética enfrenta problemas éticos e morais. Por exemplo, a clonagem dos humanos e a eugenia são problemas bioéticos.
Assim, graças aos avanços científicos, na primeira semana deste ano nasceu a primeira bebé britânica seleccionada para não carregar um dos genes que predispõe o desenvolvimento do cancro da mama e do útero.
“A criança tinha entre 50 e 80 por cento de hipóteses de contrair cancro da mama e até 60% de probabilidades de ter cancro do útero. Doenças que afectaram grande parte da família do pai, devido à presença de um gene mutante, o BRCA1. Os pais da criança consultaram médicos de fertilidade e acabaram por aceitar que a bebé fosse sujeita a uma selecção genética, que deverá impedir que a criança tenha cancro devido à mutação do gene. “
SIC, 14 de Janeiro de 2009
Este acontecimento levou a uma grande discussão polémica na sociedade ocidental. A reacção da Igreja católica foi imediata, A Academia Pontifícia para a vida considerou a selecção genética uma acção “grave e ilícita”. De facto a Igreja nunca aceitou qualquer tipo de intervenção genética com o fim de alterar os processos naturais, isso é, a clonagem, engenharia genética e selecção genética são considerados actos imorais e que não respeitam a fé católica. Do ponto de vista da Igreja selecção genética dos embriões que não apresentam genes que provocam o desenvolvimento de uma doença é uma atitude tão graves como o aborto e a eutanásia, pois provocam morte de um ser humano vivo e inocente. Os embriões nos primeiros estádios do seu desenvolvimento passam por um diagnóstico genético durante o qual são evidenciados os genes malignos. O embrião que não é portador destes genes é seleccionada para a implantação para o útero da mulher. O processo após a selecção é semelhante a processo de reprodução in vitro. A Igreja não só considera isso um homicídio, mas também aponta para que o Homem assume o papel de Deus, pois agora podemos escolher.
Será uma menina ou um menino? Será que a criança vai nascer saudável? Agora os pais podem escolher e é obvio que eles vão escolher um embrião saudável. Existe também a tendência de escolher meninos, pois muitos casais querem ter filhos e não filhas. Parece um sonho, mas no fundo nós estamos a manipular vidas de seres humanos. O problema ético é evidente, embora o embrião não pode deliberar, mas é um ser humano em miniatura. Imaginemos que ocorre um erro e um embrião saudável é eliminado. Poderá também acontecer que uma pessoa que nasce com altas probabilidades de ter o cancro apresenta capacidades mentais grandiosas. E se este génio não tivesse nascido? Pois, a genética não consegue prever se a criança for um génio. Se o governo autoriza a selecção genética parece que está a desprezar pessoas com capacidades limitadas e os doentes. Cada se humano racional percebe que não se pode excluir uma pessoa com síndrome de Down só por ela apresentar anomalias genéticas que causam um desvio da norma, pois não deixa de ser um ser humano. A Declaração Universal dos Direitos Humanos define que todos os humanos têm os mesmos direitos e nascem livres. Os defensores de selecção genética explicam que o embrião até ao estádio da morula (fase de 64 células) não pode ser considerado um ser humano.
Entre a população observamos tanto os defensores desta ideia como os opositores. O argumento dos primeiros resume-se ao facto de que uma criança com deficiências físicas ou mentais sofre durante toda sua vida, por isso a selecção genética é quase um acto de compaixão. Mas será que é um argumenta que pode compensar o facto de tirar a oportunidade ou o direito a vida a um ser humano inocente?
Os médicos, por sua vez, apontam para a redução de casos de cancro e de outras doenças hereditárias. O Governo está, evidentemente, interessado na redução do número de pessoas que necessitam de assistências sócias e médica. Assim, o mais alto tribunal francês de apelação defende a ideia do aborto selectivo para as crianças deficientes. Com o desenvolvimento das experiências genéticas torna-se possível a eliminação de fetos considerados “inferiores”. Embora não se consegue prever o nível de capacidades mentais da futura criança o que cria discussão a volta do termo “inferiores”.
A selecção genética assemelha-se a eugenia o que cria uma reacção negativa de alguns cientistas e cidadãos. Pois se o Governo autorizar a selecção genética ou aborto selectivo parece que está a criar uma “eugenia institucional”.
O termo “eugenia” é usado para descrever o movimento apoia o melhoramento da raça humana estimulando os saudáveis e materialmente acomodados a ter filhos, enquanto ao mesmo tempo pressiona o resto da população a ter muito pouca ou nenhuma descendência. A eugenia foi inventada cientista inglês Francis Galton, pelos finais do século XX. Esta ideologia expandiu-se rapidamente e atingiu o seu auge quando Hitler encontra-se no posto de chanceler da Alemanha. A ideologia nazi promovia a pratica da eugenia o que levou a morte de milhares de crianças que nasceram doentes ou com algum desvio da norma, o mesmo futuro esperava as pessoas com problemas psicológicos graves e atraso no desenvolvimento mental. A eugenia também foi associada às experiências feitas com os judeus nos campos de concentração. Tudo isso levou ao abandono e proibição da eugenia durante algumas décadas. No entanto, hoje corremos o risco de regressar a eugenia e cair no mesmo erro.
Concluindo, na minha opinião a selecção genética pode ser uma atitude amoral. Quando os pais recorrem a selecção de embriões parece uma atitude egoísta, pois eles valorizam mais os seus desejos do que a vida de um ser humano. O mesmo ocorre quando o Governo autoriza o aborto selectivo ou a selecção genética ao nível institucional, pois parece evidente que o Estado persegue pelo interesse económico, pois se o número de pessoas que necessitam de apoio social diminui diminuem as dispensas económicas do Estado. Assim, parece que é um acto de egoísmo individual e colectivo. Todavia, a selecção genética é uma atitude mais racional do que a tendência de fazer aborto selectivo quando o sexo do feto não corresponde as expectativas dos pais. Isso parece radical, mas é uma prática normal na Índia. Em algumas regiões dos EUA querem autorizar aos pais escolher o sexo do seu futuro bebé. Esta situação parece mais absurda do que a selecção genética que é dirigida pelas razões médicas e não pelas preferências dos pais.
Na minha opinião parece aceitável prevenir o sofrimento de um ser humano e dos seus familiares no caso se a probabilidade de aparecimento de uma doença grave e sem cura for muito elevada. A decisão é dos pais e dos médicos, mas esta atitude só pode ser tomada nos casos extremos, no caso contrário corremos o risco de descriminação de seres humanos por serem de um dos sexos ou por terem determinado características que não influenciam a sua saúde mas que não agradem os pais. Assim, a selecção genética tem de ter limites e, por sua vez, devem existir leis que asseguram todos os direitos humanos tendo em conta o desenvolvimento da genética.
Este é apenas um dos problemas do imparável desenvolvimento da ciência e da tecnologia que levam ao aparecimento de novas oportunidades e, infelizmente, novos crimes. Muitas vezes, a humanidade ultrapassa o limite da ética quando persegue objectivos económicos ou científicos. Pessoalmente acho que deve existir não só o bom senso para tomar as decisões mas também um sistema jurídico mais eficiente do que o actual.


Anastasiya Strembitska
Nº2 10ºB
Escola Secundária de Azambuja
18 de Janeiro de 2009