quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O meu ser



A miséria do meu ser,

Do ser que tenho a viver,

Tornou-se uma coisa vista.

Sou nesta vida um qualquer

Que roda fora da pista.


Ninguém conhece quem sou

Nem eu mesmo me conheço

E, se me conheço, esqueço,

Porque não vivo onde estou.

Rodo, e o meu rodar apresso.


É uma carreira invisível,

Salvo onde caio e sou visto,

Porque cair é sensível

Pelo ruído imprevisto...

Sou assim. Mas isto é crível?


Fernando Pessoa

Selecção genética



Hoje em dia é frequente ver notícias sobre avanços de genética. Ninguém fica surpreendido quando os cientistas mostram ao grande público os últimos resultados das suas experiências, primeiro foi uma ovelha chamada Dolly, agora já aparecem clones de cães, gatos, entre outros. No futuro mais próximo pode surgir clone de um mamute e, certamente, isso não é o limite de possibilidades da genética. Já existem laboratórios que investigam as doenças genéticas, o genoma humano já foi descodificado e a reprodução in vitro é uma realidade.
Por um lado, os avanços da Genética fornecem conhecimentos importantíssimos que se aplicam na medicina. O diagnóstico e o tratamento das doenças são facilitados. Obviamente, muitos dos cidadãos apoiam a genética, embora já ouve um período quando genética foi proibida em países de URSS, os católicos também não a apoiavam, até as sociedades mais liberais limitavam as áreas de investigação genética. Todavia, a engenharia genética levanta grande polémica entre especialistas, pessoas religiosas e população, pois a genética enfrenta problemas éticos e morais. Por exemplo, a clonagem dos humanos e a eugenia são problemas bioéticos.
Assim, graças aos avanços científicos, na primeira semana deste ano nasceu a primeira bebé britânica seleccionada para não carregar um dos genes que predispõe o desenvolvimento do cancro da mama e do útero.
“A criança tinha entre 50 e 80 por cento de hipóteses de contrair cancro da mama e até 60% de probabilidades de ter cancro do útero. Doenças que afectaram grande parte da família do pai, devido à presença de um gene mutante, o BRCA1. Os pais da criança consultaram médicos de fertilidade e acabaram por aceitar que a bebé fosse sujeita a uma selecção genética, que deverá impedir que a criança tenha cancro devido à mutação do gene. “
SIC, 14 de Janeiro de 2009
Este acontecimento levou a uma grande discussão polémica na sociedade ocidental. A reacção da Igreja católica foi imediata, A Academia Pontifícia para a vida considerou a selecção genética uma acção “grave e ilícita”. De facto a Igreja nunca aceitou qualquer tipo de intervenção genética com o fim de alterar os processos naturais, isso é, a clonagem, engenharia genética e selecção genética são considerados actos imorais e que não respeitam a fé católica. Do ponto de vista da Igreja selecção genética dos embriões que não apresentam genes que provocam o desenvolvimento de uma doença é uma atitude tão graves como o aborto e a eutanásia, pois provocam morte de um ser humano vivo e inocente. Os embriões nos primeiros estádios do seu desenvolvimento passam por um diagnóstico genético durante o qual são evidenciados os genes malignos. O embrião que não é portador destes genes é seleccionada para a implantação para o útero da mulher. O processo após a selecção é semelhante a processo de reprodução in vitro. A Igreja não só considera isso um homicídio, mas também aponta para que o Homem assume o papel de Deus, pois agora podemos escolher.
Será uma menina ou um menino? Será que a criança vai nascer saudável? Agora os pais podem escolher e é obvio que eles vão escolher um embrião saudável. Existe também a tendência de escolher meninos, pois muitos casais querem ter filhos e não filhas. Parece um sonho, mas no fundo nós estamos a manipular vidas de seres humanos. O problema ético é evidente, embora o embrião não pode deliberar, mas é um ser humano em miniatura. Imaginemos que ocorre um erro e um embrião saudável é eliminado. Poderá também acontecer que uma pessoa que nasce com altas probabilidades de ter o cancro apresenta capacidades mentais grandiosas. E se este génio não tivesse nascido? Pois, a genética não consegue prever se a criança for um génio. Se o governo autoriza a selecção genética parece que está a desprezar pessoas com capacidades limitadas e os doentes. Cada se humano racional percebe que não se pode excluir uma pessoa com síndrome de Down só por ela apresentar anomalias genéticas que causam um desvio da norma, pois não deixa de ser um ser humano. A Declaração Universal dos Direitos Humanos define que todos os humanos têm os mesmos direitos e nascem livres. Os defensores de selecção genética explicam que o embrião até ao estádio da morula (fase de 64 células) não pode ser considerado um ser humano.
Entre a população observamos tanto os defensores desta ideia como os opositores. O argumento dos primeiros resume-se ao facto de que uma criança com deficiências físicas ou mentais sofre durante toda sua vida, por isso a selecção genética é quase um acto de compaixão. Mas será que é um argumenta que pode compensar o facto de tirar a oportunidade ou o direito a vida a um ser humano inocente?
Os médicos, por sua vez, apontam para a redução de casos de cancro e de outras doenças hereditárias. O Governo está, evidentemente, interessado na redução do número de pessoas que necessitam de assistências sócias e médica. Assim, o mais alto tribunal francês de apelação defende a ideia do aborto selectivo para as crianças deficientes. Com o desenvolvimento das experiências genéticas torna-se possível a eliminação de fetos considerados “inferiores”. Embora não se consegue prever o nível de capacidades mentais da futura criança o que cria discussão a volta do termo “inferiores”.
A selecção genética assemelha-se a eugenia o que cria uma reacção negativa de alguns cientistas e cidadãos. Pois se o Governo autorizar a selecção genética ou aborto selectivo parece que está a criar uma “eugenia institucional”.
O termo “eugenia” é usado para descrever o movimento apoia o melhoramento da raça humana estimulando os saudáveis e materialmente acomodados a ter filhos, enquanto ao mesmo tempo pressiona o resto da população a ter muito pouca ou nenhuma descendência. A eugenia foi inventada cientista inglês Francis Galton, pelos finais do século XX. Esta ideologia expandiu-se rapidamente e atingiu o seu auge quando Hitler encontra-se no posto de chanceler da Alemanha. A ideologia nazi promovia a pratica da eugenia o que levou a morte de milhares de crianças que nasceram doentes ou com algum desvio da norma, o mesmo futuro esperava as pessoas com problemas psicológicos graves e atraso no desenvolvimento mental. A eugenia também foi associada às experiências feitas com os judeus nos campos de concentração. Tudo isso levou ao abandono e proibição da eugenia durante algumas décadas. No entanto, hoje corremos o risco de regressar a eugenia e cair no mesmo erro.
Concluindo, na minha opinião a selecção genética pode ser uma atitude amoral. Quando os pais recorrem a selecção de embriões parece uma atitude egoísta, pois eles valorizam mais os seus desejos do que a vida de um ser humano. O mesmo ocorre quando o Governo autoriza o aborto selectivo ou a selecção genética ao nível institucional, pois parece evidente que o Estado persegue pelo interesse económico, pois se o número de pessoas que necessitam de apoio social diminui diminuem as dispensas económicas do Estado. Assim, parece que é um acto de egoísmo individual e colectivo. Todavia, a selecção genética é uma atitude mais racional do que a tendência de fazer aborto selectivo quando o sexo do feto não corresponde as expectativas dos pais. Isso parece radical, mas é uma prática normal na Índia. Em algumas regiões dos EUA querem autorizar aos pais escolher o sexo do seu futuro bebé. Esta situação parece mais absurda do que a selecção genética que é dirigida pelas razões médicas e não pelas preferências dos pais.
Na minha opinião parece aceitável prevenir o sofrimento de um ser humano e dos seus familiares no caso se a probabilidade de aparecimento de uma doença grave e sem cura for muito elevada. A decisão é dos pais e dos médicos, mas esta atitude só pode ser tomada nos casos extremos, no caso contrário corremos o risco de descriminação de seres humanos por serem de um dos sexos ou por terem determinado características que não influenciam a sua saúde mas que não agradem os pais. Assim, a selecção genética tem de ter limites e, por sua vez, devem existir leis que asseguram todos os direitos humanos tendo em conta o desenvolvimento da genética.
Este é apenas um dos problemas do imparável desenvolvimento da ciência e da tecnologia que levam ao aparecimento de novas oportunidades e, infelizmente, novos crimes. Muitas vezes, a humanidade ultrapassa o limite da ética quando persegue objectivos económicos ou científicos. Pessoalmente acho que deve existir não só o bom senso para tomar as decisões mas também um sistema jurídico mais eficiente do que o actual.


Anastasiya Strembitska
Nº2 10ºB
Escola Secundária de Azambuja
18 de Janeiro de 2009