sábado, 13 de junho de 2009

“O Barão de Lavos”





Editora: Livraria Chardron (1ª e 2ª edição)

Autor: Abel Botelho
Abel Acácio de Almeida Botelho nasceu em Tabuaço, no dia 23 de Setembro de 1855. Durante sua vida foi militar e diplomata português, porém formou-se como medico e destacou-se como escritor.
No exército passou o percurso desde o soldado raso até ao coronel. Pertenceu a várias agremiações como Academia das Ciências, Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses, de Lisboa e do Porto, Associação da Imprensa, Sociedade Geográfica de Lisboa, entre outras.
Como escritor representou Portugal do realismo extremo, de uma maneira Naturalista, sem atenuar a realidade. Em 1891 iniciou a séria da Pathologia Social[AS1] , na qual analisava com a precisão e perspicuidade os males que afectavam Portugal e, nomeadamente, Lisboa.
Abel Botelho morreu na Argentina, no ano 1917, provavelmente no dia 24 de Abril, durante Primeira Guerra Mundial.


Resumo:
O romance foi escrito pelo Abel Botelho e publicado em 1891. É o primeiro livro da série Pathologia Social que trata de um tema relacionado com a sociedade e as patologias sociais, neste caso “O Barão de Lavos” levanta o tema da homossexualidade.
A história começa em 1869, D. Sebastião, conhecido como Barão de Lavos, é um membro da alta sociedade que apesar de ter uma esposa, Elvira, tem um lado antagónico, quase animal. Este lado oposto da sua vida caracteriza-se pela obsessão patológica pelos jovens. No entanto, apesar a sua paixão sindromática o Barão de Lavos não é criticado nem expulso da alta sociedade, embora as suas preferências não são muito subtis. A sua queda moral e social começa quando ele apaixona-se por um jovem de dezasseis anos, Eugénio. O rapaz começa explorar o barão economicamente e entra na sociedade a qual o barão pertence. Passando algum tempo, Eugénio e Elvira tornam-se amantes e quando o D. Sebastião descobre a traição não consegue voltar a vida normal.
Gradualmente, o Barão de Lavos perde o seu estatuto, económico e social. No final da sua vida ele encontra-se praticamente na miséria, sustentado por poucos amigos, é uma pessoa sem moralidade e dignidade humana. A história acaba com a morte do Barão de Lavos, infâmia e violenta.

Selecção de um texto
“As leis morais são as regras de um jogo no qual todos fazem batota, e isto desde que o mundo é mundo.”[AS2]
Jean Cocteau

Excerto do livro:
“Poder de resistência nenhum. Escravo da cacochymia ingénita, ia trupando cegamente na cauda dos seus instintos. Sentia a alma amaurotica, deprimindo o coração, os nervos despolarisados.
De principio, antes de conhecer Eugénio, estas predilecções antinaturnes tinham de ordinário uma acção toda exterior e uma duração ephemera. …
…Assim, se a coisa era possível, o móvel, o objecto de arte era comprado: o ephebo cedia ao suborno, ao lenocínio, nos mais baixos meios de sedução. “

Comentário:

O Barão de Lavos é o primeiro livro da série Pathologia Social escrita pelo Abel Botelho. É um livro polémico, pois retrata a sociedade contemporânea tal como ela é, com todos os seus defeitos e injustiças. Visto que hoje em dia a homossexualidade já não é considerada uma doença e é socialmente aceite em vários países, o livro é visto com perspectiva e releva aspectos da vida social que até são mais graves e que demonstram a decadência moral das pessoas.
A história começa em 1869, em Lisboa. Portugal do século XIX é representado por uma cidade e nesta representação o escritor consegue resumir os aspectos mais relevantes da vida do século XIX. A sociedade é subdividida em classes, umas privilegiadas e outras exploradas. A alta burguesia e nobreza têm uma vida luxuosa, formando alta sociedade. Esta harmonia contrasta com a infausta existência dos mais pobres e desfavorecidos que são explorados e rebaixados, estas pessoas pertencem a classe de proletariado ou até as mais baixos estatutos sociais, tal como prostitutas ou sem-abrigo.
O autor analisa a sociedade contemporânea com a precisão de um médico. Todas as patologias sociais são expostas com uma objectividade extrema que leva o leitor a uma crítica e reflexão sobre as normas sociais e a hipocrisia. Baseando-se no livro podemos verificar que a maneira como o autor escreve está interligada com a sua carreira profissional, pois ele foi médico e nos seus livros aparecem marcas características tanto na linguagem, quando ele utiliza palavras como “sindroma” ou “patologia”, como na maneira de expor a história, para o autor tudo tem uma causa e a decadência moral das pessoas é vista como uma patologia. A ideia de causalidade necessária aparece na discrição da “paixão sindromática” do Barão de Lavos, pois o autor explica que ele é de uma família cujo antepassado foi o filho ilegítimo de um rei. Assim, a imoralidade da personagem deriva do seu passado e não aparece por acaso.
Como já foi referido, o livro é uma espécie de crítica social que expõe à superfície todos os defeitos que a nossa sociedade tem, mas esconde por baixo da mascara de hipocrisia. Ao longo do livro percebemos que muitas personagens não são inocentes, mas pelo contrário, iniciaram uma certa decadência moral. O Barão de Lavos, D. Sebastião, é o caso mais flagrante – um homossexual (ou bissexual), sedutor que não controla os seus vícios e paixões animais, no final do livro é totalmente arruinado como personalidade, perdendo seu estatuto social e económico, o que o leva a roubar dinheiro ao seu amigo. A sua esposa, D. Elvira, que acaba por trair o seu marido. O Eugénio, que não só vende o seu corpo, mas também roubou no passado e explora o Barão economicamente para sustentar sua amante. E por último, toda a sociedade, que apesar conhecer o vício do Barão aceita-o enquanto ele é útil, mas acaba por ignora-lo quando ele perde o seu capital. A sociedade releva toda a sua hipocrisia e a maneira mesquinha de ser, as normas morais parecem ser muito relativas, pois quem tem dinheiro não é obrigado a cumpri-las.
A sociedade não aceita facilmente as diferenças. Assim, a homossexualidade era considerada uma doença até ao ano 1987, quando a organização mundial de saúde retirou-a da lista de doenças e patologias. No entanto, a sociedade importa-se mais com o aspecto económico e não com aquilo que as pessoas são efectivamente.
As normas sociais e morais são efectivamente muito relativas, pois variam de sociedade para a sociedade e consoante a época. Relembrando, a homossexualidade na Grécia Antiga era uma prática social considerada normal e, por vezes, preferível ao amor entre homem e mulher. Hoje em dia há países onde os homossexuais podem casar-se, pois tal atitude é socialmente aceite, mas em muitos países árabes as práticas homossexuais são puníveis pela lei.
Comparando a sociedade do século XIX e a sociedade do século XXI parece que todo o avanço tecnológico e científico não alterou efectivamente nada, pois, a sociedade capitalista e consumista preocupa-se em primeiro lugar com os benefícios económicos. A pobreza, a imoralidade e a hipocrisia são únicas características que não se alteram, infelizmente. Nesta perspectiva, a obra apresenta uma intemporalidade, pois tudo se altera menos a mente das pessoas.
Deve-se notar que o autor utiliza uma linguagem muito elaborada e a maneira como ele escreveu torna o livro muito agradável para a leitura. As descrições que o autor faz são muito pormenorizadas e reais. As personagens também foram cuidadosamente elaboradas e desenvolvidas. Podemos concluir que não são personagens planas como as personagens tipo de Gil Vicente, desenvolvem-se e modificam-se, embora representam os pecados e a amoralidade da sociedade. O estatuto e a educação do Barão de Lavos contradizem com a sua paixão sindromática e o sentimento estético pervertido. Parece que é um homem que se transforma num animal controlado pelos seus vícios e instintos. Todas as personagem ilustram a natureza contraditória e animal do Homem, todos respeitam as normas morais enquanto é do seu interesse, mas quebram-nas quando é lhes favorável, demonstrando o espírito de amoralismo.
Deste modo, a obra leva o leitor a uma reflexão sobre a sociedade e a natureza humana. É um apelo à consciência humana. Pessoalmente, recomendo a leitura desta obra, pois apresenta uma crítica social muito profunda, sendo quase uma reflexão filosofica.

Anastasiya Strembitska



[AS1]
Ø 1891 - O Barão de Lavos
Ø 1898 - O Livro de Alda
Ø 1901 - Amanhã
Ø 1907 - Fatal Dilema
Ø 1910 - Próspero Fortuna



[AS2]As regras morais são normas que a sociedade institui. No entanto, nem sempre todos respeitam estas normas, pois a própria natureza do ser humano leva o Homem quebrar as regras. Os seus instintos, desejos e ilusões, frequentemente, sobrepõem-se à moral. Isto leva ao desenvolvimento da hipocrisia, pois a queda moral afecta não só os que quebram as normas, mas também aqueles que o deixam fazer ou fecham os olhos perante a imoralidade. Em última análise a sociedade degrada devido à conivência dos humanos que ignoram a imoralidade. Assim, o efeito da hipocrisia é a degradação moral, é o processo da pathologia social que gera um ciclo fechado onde o efeito amplia a causa.

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