domingo, 20 de maio de 2012

QUANDO O HOMEM QUER SER DEUS

                                                                        "Quanto maior o poder, mais perigoso é o abuso.”
(Edmund Burke, s.d.)

O século XXI é o tempo de grande expansão e globalização tecnológica. Se no século passado o planeta passou por duas guerras mundiais, descoberta de energia nuclear e Guerra Fria, agora assistimos a enorme comercialização e aplicação de altas tecnologias. Computadores portáteis da espessura de um livro, turismo espacial, engenharia genética e Large Hadron Collaider não são mais que a realidade do quotidiano que vemos todos os dias ao nosso lado e nos mass-media. Todos estes avanços científicos e tecnológicos estão integrados na nossa vida - abrem novos horizontes e fornecem novas oportunidades. É o tempo dos investigadores que “Novos mundos ao mundo irão mostrando” (Luís Vaz de Camões). O mundo não é só o que vemos com os nossos olhos, mas é o que as lentes do microscópio e telescópio, as câmaras de vídeo, os computadores e as sondas espaciais nos permitem ver. Do ponto de vista epistemológico, o Universo expandiu-se colossalmente – estende-se do átomo até às galáxias distantes, da célula à biosfera, do microprocessador até ao space shuttle.
Neste novo “habitat” o Homem tem oportunidade de intervir em processos naturais e reproduzi-los in vitro ou in silico. No entanto, entre as outras descobertas científicas destacam-se duas que são cruciais para a humanidade: a descoberta do poder do átomo (a energia nuclear) e do ADN, “molécula-base” da vida, por James Watson e Francis Crick. Esta última talvez seja de maior importância porque não é apenas um instrumento de destruição, como uma arma atómica, mas de criação e manipulação da vida. Nestas condições surgiu a Engenharia Genética, que estuda o nível fundamental da organização dos seres vivos, o conjunto de moléculas que determinam morfologia e fisiologia de qualquer organismo.
Hoje em dia é frequente ver notícias sobre avanços de genética. Ninguém fica surpreendido quando os cientistas mostram ao grande público os últimos resultados das suas experiências, como é o caso da famosa ovelha Dolly ou do milho transgénico. Na realidade já é possível clonar cães, gatos e outros animais. No futuro mais próximo podem surgir clones de animais que foram extintos na Natureza, por exemplo, mamutes. Ao nível de genética terapêutica existem laboratórios que estudam as doenças genéticas do ser humano e fazem análises de ADN até de seres humanos que estão no estádio mais básico da sua existência e existem apenas como embriões nas placas de Petri. As possibilidades da genética são espantosas, dá-nos o poder sobre a vida, tornando-nos quasi deuses, mestres do mundo material capazes de manipular os seres vivos e as suas características.
Desta forma, os avanços da Genética fornecem conhecimentos importantíssimos que se aplicam na medicina. O diagnóstico e o tratamento das doenças são facilitados, podemos detectar as mutações perigosas mais cedo e reprimir a expressão de gene com fármacos, melhorando significativamente a qualidade de vida de pessoas. Todavia, a engenharia genética levanta grande polémica entre especialistas, pessoas religiosas e cidadãos comuns, pois implica a intervenção no genoma e nos processos que determinam a nossa existência e individualidade. Há também questões muito controversas, como a clonagem reprodutiva do ser humano e eugénia, selecção genética de seres humanos.
Pois, quanto maior é o poder, maior é a tentação. O Homem consegue manipular as características de plantas e animais, criar novas espécies, os chamados organismos geneticamente modificados, melhorando as características dos mesmos. No entanto, como qualquer ser ambicioso e limitado pela sua ignorância, o ser humano não perde a oportunidade de tentar enganar as leis naturais e corrigir os erros da Natureza. Assim, graças aos avanços científicos, em 2009 nasceu a primeira bebé britânica seleccionada para não carregar um dos genes que predispõe o desenvolvimento do cancro da mama e do útero. O caso é exemplificativo e controverso do ponto de vista ético, pois a futura criança tinha uma elevada probabilidade de sofrer de cancro da mama ou do cancro do útero e por isso os pais recorreram a selecção genética dos embriões durante a fertilização in vitro. Este acontecimento levou a uma grande polémica na sociedade ocidental. A Igreja católica considera a selecção genética uma acção “grave e ilícita” e os defensores do método sustentam que os futuros bebes têm uma vida mais saudável, ficando privados do sofrimento que as patologias genéticas causam.
De facto a Igreja nunca aceitou qualquer tipo de intervenção genética com o fim de alterar os processos naturais, isto é, a clonagem, engenharia genética e selecção genética são considerados actos imorais e que violam o direito sagrado de cada ser humano, a vida e a individualidade e põem em causa a vontade divina. Do ponto de vista da Igreja, a selecção genética dos embriões que não apresentam genes que provocam o desenvolvimento de uma doença é uma atitude tão grave como o aborto e a eutanásia, pois provocam a morte de um ser humano inocente. Os embriões nos primeiros estádios do seu desenvolvimento passam por um diagnóstico genético durante o qual são evidenciados os genes malignos, o embrião que não é portador destes genes é seleccionado para a implantação para o útero da mulher e os restantes são eliminados. A religião católica não só o caracteriza como um homicídio, mas também aponta para que o Homem assume o papel de Deus, escolhendo entre dar vida ou retirá-la.
Em contrapartida, temos a posição dos que defendem que o novo ser humano será mais saudável. Obviamente, é indiscutível que as pessoas saudáveis são normalmente mais felizes, uma vez que as suas famílias não têm de enfrentar a terrível luta contra uma doença grave e mortal. É uma posição tipicamente utilitarista, quando o eticamente correcto é o que evita maior sofrimento e causa maior felicidade. A questão fundamental é se a selecção genética é uma ferramenta segura e se podemos confiar no ser humano, capaz de errar e quebrar as regras éticas.
Realmente, com a engenharia genética é possível examinar todo o genoma e escolher o sexo, a cor dos olhos ou a sua estatura. Se esquecermos as normas éticas podemos modelar completamente o aspecto dos nossos futuros filhos, criar em laboratório gerações sem defeitos físicos e doenças. Hoje, como nunca antes, estamos perto do sonho de Hitler - a criação de uma raça perfeita. Contudo, os genes não determinam tudo, não há garantia de que o mais perfeito dos embriões será um campeão olímpico ou génio, tal como não podemos programar a bondade e a piedade nos seres humanos. Estas qualidades não se cultivam em proveta!
De facto, “de boas intenções está o Inferno cheio”. Quem age a pensar num bem universal para toda a humanidade pode fornecer uma arma horrível aos seres humanos mais corrompidos pelo poder e, neste caso, o feitiço vira-se contra o feiticeiro. A engenharia genética é apenas uma ferramenta poderosa, obra do génio humano, e tal como qualquer instrumento, pode ser usada para o bem ou para o mal. Como o bisturi é uma arma mortal nas mãos do criminoso e salva vidas nas mãos do cirurgião. Os objectos e o conhecimento só por si não possuem nenhum valor moral, apenas as acções humanas são contabilizadas pela ética. O perigo está na própria natureza do Homem, ser mortal e ignorante, vulnerável às tentações deste mundo. Infelizmente, não há maior tentação do que o Poder.
Já o antigo Sófocles afirmara - “O poder revela o homem.”. Raros são os homens que por natureza são determinados, capazes de resistir ao poder. A maioria abusa do poder a seu favor, e quanto maior é o poder, maior é o abuso. É a natureza do ser humano, o desejo de poder está em nós como em qualquer animal colectivo. Nos leões, nos lobos e nos homens reinam os mesmos instintos, pois somos mais animais do pensamos e a parte racional da nossa mente é menor do que podemos imaginar. Os exemplos são abundantes - os ditadores, os políticos corruptos, as companhias multinacionais que exploram terras dos países em desenvolvimento e ganham o dinheiro do trabalho infantil, até os maridos que praticam violência doméstica, todos são pessoas que abusam do poder. O mais forte, que tem o poder sobre os mais fracos e os mais vulneráveis, pode ser corrompido pela sensação da sua soberania e omnipotência, tornando-se egoísta e desvalorizando a integridade e a individualidade dos outros. O ser humano, quando não condicionado pelo contrato social, pelas normas morais e leis, inferioriza os mais frágeis. O poder é o vinho – o vício que releva os nossos instintos animalescos, e tal como o ópio, encanta-nos e transforma o mundo à nossa volta num jogo onde as vidas humanas são apenas peças do jogo sobre as quais temos um controlo total. É uma forma efémera de realizar os nossos próprios desejos, de nos tornarmos deuses e provarmos a nos próprios que somos mais do que seres mortais cuja existência é insignificante e inútil à escala do Universo. Elevar-se sobre os outros é uma prova de existência a nós próprios e uma expressão da vontade eterna do Homem de atingir a perfeição, algo divino.
Em suma, a selecção genética pode ser uma prática amoral, pois pode ser uma tentativa terrível de o ser humano se igualar a Deus. O conhecimento é poder na sua essência e um cientista sapiente pode ser mais perigoso do que um ditador. Quando os pais recorrem à selecção de embriões, parece uma atitude egoísta; evidentemente, eles valorizam mais os seus desejos do que a vida de um ser humano. O mesmo ocorre quando o Governo autoriza o aborto selectivo ou a selecção genética ao nível institucional, pois parece evidente que o Estado persegue o interesse económico – afinal uma população mais saudável é favorável para o desenvolvimento de qualquer país. Assim, parece que é um acto de egoísmo, individual e colectivo. O perigo surge quando a selecção de embriões não é determinada pelas razões meramente médicas mas sim pelos desejos egoístas de quem manipula os seus genes.
Ainda parece aceitável prevenir o sofrimento de um ser humano e dos seus familiares se a probabilidade de aparecimento de uma doença grave e sem cura for muito elevada. A decisão é dos pais e dos médicos, mas esta atitude só pode ser tomada nos casos extremos, caso contrário corremos o risco de discriminação de seres humanos por serem de um dos sexos ou por terem determinadas características, como a cor dos olhos. Será a discriminação dos mais fracos, que não podem protestar e que são excluídos a priori, ainda antes de vir para este mundo. Assim, a selecção genética tem de ter limites e, por sua vez, devem existir leis que asseguram todos os direitos humanos tendo em conta o desenvolvimento da engenharia genética.
Este é apenas um dos problemas da imparável evolução da ciência e da tecnologia, que levam ao aparecimento de novas oportunidades e, infelizmente, novos crimes. Muitas vezes, a humanidade ultrapassa o limite da ética quando persegue objectivos económicos ou científicos. O bom senso não funciona quando aparece a oportunidade de fazer papel de Deus. Com o nosso desenvolvimento científico elaboramos meios para criar a vida e destruir planetas – aproximamo-nos do potencial de um ser divino. No entanto, este super-homem sonhado por Nietzsche pode tornar-se um animal cruel, desprovido de qualquer princípio moral, se não encontrar uma simbiose para a dicotomia existente entre o poder e a ética.
O ser humano assemelha-se ao demiurgo, uma entidade criadora do mundo material, que possui sabedoria imperfeita. No entanto, seria pouco sensato pensar que um ser imperfeito não irá cometer erros. Jogamos no jogo de Deus com a ambição de não cair no abismo.

Pseudónimo: Belerofonte

domingo, 22 de janeiro de 2012

Genes tibetanos dão mais resistência à altitude (Crónica)


"Viver a 4500 metros acima do nível do mar não é precisamente o que está projectado para o corpo humano. A esta altitude, a pressão do oxigénio é tão baixa que a quantidade que chega aos pulmões não é suficiente para o organismo, excepto para aqueles que estão habituados a esse ambiente.
Há vários povos que vivem em regiões de grande altitude, como os andinos ou as tribos das montanhas etíopes. Os habitantes do planalto tibetano têm traços fisiológicos únicos, resultado de séculos de evolução a viver em condições extremas.
Para além de não sofrerem as alterações fisiológicas que qualquer outro ser humano tem de passar para ambientar-se a alturas elevadas, o sangue deste povo contém menos oxigénio, menos hemoglobina e uma quantidade normal de glóbulos vermelhos.
Como resultado da adaptação do organismo à região, os tibetanos não demonstram vasoconstrição pulmonar com a falta de oxigénio e mantêm um metabolismo aeróbio normal. ...
A única explicação possível para esta adaptação genuína esconde-se nos genes, garante um estudo, realizado por investigadores das Universidade de Utah (nos Estados Unidos) e de Qinghai (na China), publicado na Science. ... “O que é único nos tibetanos é que desenvolveram mais glóbulos vermelhos”, explica Josef Prchal, professor de Medicina Interna da mesma universidade americana, que acrescenta:“Se formos capazes de entender como isto se processa, podemos desenvolver tratamentos para algumas doenças”, como o edema pulmonar e cerebral ou os distúrbios relacionados com a falta de oxigénio. " (http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=42598&op=all)


A teoria de Selecção Natural de Darwin e a Genética, dois componentes da Teoria Neo-Darwinista, conseguem explicar quase todos os fenómenos de evolução de seres vivos. A evolução é sempre uma série de modificação que permitem ao organismo melhor adaptar-se ao meio ambiente. Deste modo, uma célula procariótica transformou-se em eucariótica com mitocôndrias e cloroplastos para se adaptar melhor ao meio hostil. Esta transformação ocorre devido às mutações que ocorrem no material genético de um ser vivo, no DNA que determina as suas características fenotípicas. As mutações ocorrem em vários segmentos do genoma, muitas vezes são prejudiciais a saúde humana, provocando doenças genéticas como o cancro, a anemia falciforme, talassemia, hemofilia, nanismo, entre as outras. Porém, algumas mutações fornecem aos seus portadores características benéficas que os permitem adaptar-se melhor ao meio e ter maior número de descendentes propagando os seus genes no pool genético de uma população. Os indivíduos mais aptos sobrevivem e os menos aptos são eliminados.
As mutações, mesmo aquelas que são aparentemente prejudiciais, fornecem aos seus portadores benefícios. Por exemplo, a talassemia que é comum na região do Mediterrâneo, quando em indivíduos heterozigóticos fornecem-nos a resistência a malária. O mesmo acontece em algumas regiões da África, onde se regista uma grande incidência de malária, os indivíduos com anemia falciforme, quando são hetorozigóticos, não sofre de deficiências graves e são imunes a malária. Este fenómeno é conhecido como a resistência dos hererozigóticos. De mesma forma, os portadores de gene da doença de Tay-Sachs, que teve origem numa comunidade de judeus, embora mortal em homozigotia, torna os heterozigóticos resistentes a tuberculose. Os indivíduos portadores de um alelo que provoca nanismo ficam prevenidos de cancro e diabetes.
O meio ambiente beneficia os indivíduos com determinadas características, deste modo os indivíduos que vivem em altitudes elevadas estão adoptados às baixas pressões de oxigénio. As suas características genéticas compensam a falta de oxigénio com um maior número de hemácias no sangue. Possivelmente, no inicia a população tibetana teria as mesmas características que a população chinesa, só que o ambiente da montanhas provocou a selecção natural: os indivíduos com baixo número de hemácias eram eliminados e os com maior quantidade de glóbulos brancos deixavam descendência e propagavam os seus genes no fundo genético da população tibetana. Sabe-se que as mulheres tibetanas estão adaptadas a gestação do feto a uma altitude elevada, quase 5 mil metros acima do nível médio do mar. Os europeus que chegaram a Tibete verificaram que quase todos os bebés de mulheres não tibetanas nasciam mortos devido a falta de oxigénio. Assim, só os portadores de genes mais benéficos para a adaptação a altitude elevada deixavam descendência.
Muitas vezes, as populações isoladas apresentam características únicas devido ao isolamento geográfico, que não permite o contacto e cruzamento com outros indivíduos, e o chamado efeito Fundador, que restringe a variedade genética da população original. Como o exemplo, os aborígenes da Austrália não possuem o aglutinogénio B nas suas hemácias, logo, o grupo sanguíneo B é inexistente nesta população. Possivelmente, o grupo de indivíduos que povoou o território australiano há milhares de anos não tinha indivíduos com aglutinogénio do tipo B ou a mutação que originou os aglutinogénios do tipo B ocorreu posteriormente na população euro-asiática.
Pode também acontecer que os indivíduos portadores de algumas características sejam extintos devido a uma catástrofe natural ou uma epidemia, sendo os seus genes eliminados do fundo genético da população – o efeito Gargalo.
A espécie humana apresenta uma grande variedade genética, pois encontra-se espalhada pelo todo o planeta Terra. Esta variedade genética não se traduz só na cor do cabelo ou dos olhos, está relacionada com as características que influenciam a nossa adaptação a um determinado ambiente, como a capacidade de produzir mais ou menos melanina na pele, uma maior produção de glóbulos vermelhos, maior força ou resistência física. Todas estas características estão guardadas no nosso pool genético e constituem o “seguro de vida” da nossa espécie – no caso de alterações bruscas no meio ambiente, alguns de nós estarão certamente mais aptos para sobreviver, melhor adaptados. A adaptação do ser humano a vários tipos de ambiente, até aos mais hostis, como é o caso dos tibetanos, constitui uma das maiores provas de que a nossa espécie tem futuro neste planeta.
Belerofonte (Pseudónimo)

Células da Glia - as guardiãs silenciosas do cérebro


Baseado no artigo The Hidden Brain de R.Douglas Fields
Em 1999, no National Institutes of Health, R. Douglas Fields e Beth Stevens realizaram uma experiência com cultura de células do tecido nervoso, e verificaram que, para além dos neurónios, as células de Schwann, um dos tipos de células de glia, também interagiam com os neurónios e estavam envolvidos na transmissão de informação por via não eléctrica.
Desde o século XIX até recentemente, o estudo da actividade cerebral e distúrbios de ordem neurológica baseavam-se na chamada neuron doctrine, isto é, a ideia de que o neurónio era a unidade básica funcional do sistema nervoso, transmitindo toda a informação através de impulsos electroquímicos. Porém, os neurónios constituem apenas 15% das células do cérebro, enquanto as células de neuroglia são uma maioria absoluta, 85%.
As células da glia que fazem parte do tecido nervoso desempenham inúmeras funções. Os astrócitos são célula de glia que transportam neurotransmissores, e as suas projecções citoplasmáticas envolvem os vasos sanguíneos no cérebro, formando uma barreira hematoencefálica selectiva, através da qual passam os nutrientes para os neurónios e são removidos os resíduos do metabolismo celular. Também regulam o fluxo sanguíneo conforme as necessidades do tecido nervoso. Os oligodendrócitos são responsáveis pela produção de mielina, o isolante eléctrico de natureza lipídica que se deposita e envolve os axónios, acelerando a transmissão do impulso nervoso, que assim se torna até 50 vezes mais rápido. Enquanto estas células se localizam no Sistema Nervoso Central, envolvendo vários axónios neuronais com os seus prolongamentos celulares, no Sistema Nervoso Periférico a mielinização dos axónios é feita pelas células de Schwann, que se localizam à volta do axónio mielinizado. Por sua vez, as células de microglia estão envolvidas na resposta inflamatória e reparação de danos celulares, removendo as células mortas de tecido. De um modo geral, a neuroglia executa funções de housekeeping– manutenção do tecido nervoso num estado funcional e saudável.
Para além destas funções, foi também descoberta a capacidade das células de glia de participarem em processos de transmissão de informação no cérebro. Assim, os astrócitos comunicam com os neurónios quimicamente por meio de neurotransmissores e são também responsáveis pela comunicação entre regiões distantes do cérebro, participando ainda nos processos cognitivos complexos, como a memorização e a aprendizagem. Os astrócitos conseguem aumentar a intensidade dos impulsos eléctricos nos axónios libertando neurotransmissores. Por exemplo, a comunicação química entres as sinapses na área do hipocampo é essencial para o bom funcionamento da memória e, consequentemente, torna-se crucial para a capacidade de aprendizagem de qualquer ser humano.
Visto que estas células são a garantia do bom funcionamento do sistema nervoso, muitos distúrbios e doenças neurológicas e até algumas patologias psicológicas tem origem ou estão relacionadas com a neuroglia. Por exemplo, a degeneração de microglia pode estar relacionada com a demência na doença de Alzheimer – quando a microglia deixa de exercer as suas funções, o tecido nervoso começa a acumular substâncias tóxicas que levam à sua degradação. Outro caso é o das lesões na medula espinhal que levam a paralisias. Através do bloqueio de algumas proteínas associadas à mielina produzida pelos oligodendrócitos pode-se induzir a recuperação deste tipo de lesões. Também se sabe que os oligodendrócitos e os astrócitos podem ser os responsáveis por alguns casos de esquizofrenia e depressão.
Em suma, as células de glia não só são cruciais para a manutenção da homeostasia no sistema nervoso, mas participam activamente nos processos cognitivos complexos, e o seu estudo pode revelar os mecanismos de muitas doenças e patologias associadas ao tecido nervoso. Neste novo paradigma os neurónios e as células de glia funcionam de forma diferente, mas a sua cooperação proporciona ao cérebro as suas espantosas capacidades.

Belerofonte (pseudónimo) e o seu grupo de MEBiom do IST