domingo, 22 de janeiro de 2012

Genes tibetanos dão mais resistência à altitude (Crónica)


"Viver a 4500 metros acima do nível do mar não é precisamente o que está projectado para o corpo humano. A esta altitude, a pressão do oxigénio é tão baixa que a quantidade que chega aos pulmões não é suficiente para o organismo, excepto para aqueles que estão habituados a esse ambiente.
Há vários povos que vivem em regiões de grande altitude, como os andinos ou as tribos das montanhas etíopes. Os habitantes do planalto tibetano têm traços fisiológicos únicos, resultado de séculos de evolução a viver em condições extremas.
Para além de não sofrerem as alterações fisiológicas que qualquer outro ser humano tem de passar para ambientar-se a alturas elevadas, o sangue deste povo contém menos oxigénio, menos hemoglobina e uma quantidade normal de glóbulos vermelhos.
Como resultado da adaptação do organismo à região, os tibetanos não demonstram vasoconstrição pulmonar com a falta de oxigénio e mantêm um metabolismo aeróbio normal. ...
A única explicação possível para esta adaptação genuína esconde-se nos genes, garante um estudo, realizado por investigadores das Universidade de Utah (nos Estados Unidos) e de Qinghai (na China), publicado na Science. ... “O que é único nos tibetanos é que desenvolveram mais glóbulos vermelhos”, explica Josef Prchal, professor de Medicina Interna da mesma universidade americana, que acrescenta:“Se formos capazes de entender como isto se processa, podemos desenvolver tratamentos para algumas doenças”, como o edema pulmonar e cerebral ou os distúrbios relacionados com a falta de oxigénio. " (http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=42598&op=all)


A teoria de Selecção Natural de Darwin e a Genética, dois componentes da Teoria Neo-Darwinista, conseguem explicar quase todos os fenómenos de evolução de seres vivos. A evolução é sempre uma série de modificação que permitem ao organismo melhor adaptar-se ao meio ambiente. Deste modo, uma célula procariótica transformou-se em eucariótica com mitocôndrias e cloroplastos para se adaptar melhor ao meio hostil. Esta transformação ocorre devido às mutações que ocorrem no material genético de um ser vivo, no DNA que determina as suas características fenotípicas. As mutações ocorrem em vários segmentos do genoma, muitas vezes são prejudiciais a saúde humana, provocando doenças genéticas como o cancro, a anemia falciforme, talassemia, hemofilia, nanismo, entre as outras. Porém, algumas mutações fornecem aos seus portadores características benéficas que os permitem adaptar-se melhor ao meio e ter maior número de descendentes propagando os seus genes no pool genético de uma população. Os indivíduos mais aptos sobrevivem e os menos aptos são eliminados.
As mutações, mesmo aquelas que são aparentemente prejudiciais, fornecem aos seus portadores benefícios. Por exemplo, a talassemia que é comum na região do Mediterrâneo, quando em indivíduos heterozigóticos fornecem-nos a resistência a malária. O mesmo acontece em algumas regiões da África, onde se regista uma grande incidência de malária, os indivíduos com anemia falciforme, quando são hetorozigóticos, não sofre de deficiências graves e são imunes a malária. Este fenómeno é conhecido como a resistência dos hererozigóticos. De mesma forma, os portadores de gene da doença de Tay-Sachs, que teve origem numa comunidade de judeus, embora mortal em homozigotia, torna os heterozigóticos resistentes a tuberculose. Os indivíduos portadores de um alelo que provoca nanismo ficam prevenidos de cancro e diabetes.
O meio ambiente beneficia os indivíduos com determinadas características, deste modo os indivíduos que vivem em altitudes elevadas estão adoptados às baixas pressões de oxigénio. As suas características genéticas compensam a falta de oxigénio com um maior número de hemácias no sangue. Possivelmente, no inicia a população tibetana teria as mesmas características que a população chinesa, só que o ambiente da montanhas provocou a selecção natural: os indivíduos com baixo número de hemácias eram eliminados e os com maior quantidade de glóbulos brancos deixavam descendência e propagavam os seus genes no fundo genético da população tibetana. Sabe-se que as mulheres tibetanas estão adaptadas a gestação do feto a uma altitude elevada, quase 5 mil metros acima do nível médio do mar. Os europeus que chegaram a Tibete verificaram que quase todos os bebés de mulheres não tibetanas nasciam mortos devido a falta de oxigénio. Assim, só os portadores de genes mais benéficos para a adaptação a altitude elevada deixavam descendência.
Muitas vezes, as populações isoladas apresentam características únicas devido ao isolamento geográfico, que não permite o contacto e cruzamento com outros indivíduos, e o chamado efeito Fundador, que restringe a variedade genética da população original. Como o exemplo, os aborígenes da Austrália não possuem o aglutinogénio B nas suas hemácias, logo, o grupo sanguíneo B é inexistente nesta população. Possivelmente, o grupo de indivíduos que povoou o território australiano há milhares de anos não tinha indivíduos com aglutinogénio do tipo B ou a mutação que originou os aglutinogénios do tipo B ocorreu posteriormente na população euro-asiática.
Pode também acontecer que os indivíduos portadores de algumas características sejam extintos devido a uma catástrofe natural ou uma epidemia, sendo os seus genes eliminados do fundo genético da população – o efeito Gargalo.
A espécie humana apresenta uma grande variedade genética, pois encontra-se espalhada pelo todo o planeta Terra. Esta variedade genética não se traduz só na cor do cabelo ou dos olhos, está relacionada com as características que influenciam a nossa adaptação a um determinado ambiente, como a capacidade de produzir mais ou menos melanina na pele, uma maior produção de glóbulos vermelhos, maior força ou resistência física. Todas estas características estão guardadas no nosso pool genético e constituem o “seguro de vida” da nossa espécie – no caso de alterações bruscas no meio ambiente, alguns de nós estarão certamente mais aptos para sobreviver, melhor adaptados. A adaptação do ser humano a vários tipos de ambiente, até aos mais hostis, como é o caso dos tibetanos, constitui uma das maiores provas de que a nossa espécie tem futuro neste planeta.
Belerofonte (Pseudónimo)

Células da Glia - as guardiãs silenciosas do cérebro


Baseado no artigo The Hidden Brain de R.Douglas Fields
Em 1999, no National Institutes of Health, R. Douglas Fields e Beth Stevens realizaram uma experiência com cultura de células do tecido nervoso, e verificaram que, para além dos neurónios, as células de Schwann, um dos tipos de células de glia, também interagiam com os neurónios e estavam envolvidos na transmissão de informação por via não eléctrica.
Desde o século XIX até recentemente, o estudo da actividade cerebral e distúrbios de ordem neurológica baseavam-se na chamada neuron doctrine, isto é, a ideia de que o neurónio era a unidade básica funcional do sistema nervoso, transmitindo toda a informação através de impulsos electroquímicos. Porém, os neurónios constituem apenas 15% das células do cérebro, enquanto as células de neuroglia são uma maioria absoluta, 85%.
As células da glia que fazem parte do tecido nervoso desempenham inúmeras funções. Os astrócitos são célula de glia que transportam neurotransmissores, e as suas projecções citoplasmáticas envolvem os vasos sanguíneos no cérebro, formando uma barreira hematoencefálica selectiva, através da qual passam os nutrientes para os neurónios e são removidos os resíduos do metabolismo celular. Também regulam o fluxo sanguíneo conforme as necessidades do tecido nervoso. Os oligodendrócitos são responsáveis pela produção de mielina, o isolante eléctrico de natureza lipídica que se deposita e envolve os axónios, acelerando a transmissão do impulso nervoso, que assim se torna até 50 vezes mais rápido. Enquanto estas células se localizam no Sistema Nervoso Central, envolvendo vários axónios neuronais com os seus prolongamentos celulares, no Sistema Nervoso Periférico a mielinização dos axónios é feita pelas células de Schwann, que se localizam à volta do axónio mielinizado. Por sua vez, as células de microglia estão envolvidas na resposta inflamatória e reparação de danos celulares, removendo as células mortas de tecido. De um modo geral, a neuroglia executa funções de housekeeping– manutenção do tecido nervoso num estado funcional e saudável.
Para além destas funções, foi também descoberta a capacidade das células de glia de participarem em processos de transmissão de informação no cérebro. Assim, os astrócitos comunicam com os neurónios quimicamente por meio de neurotransmissores e são também responsáveis pela comunicação entre regiões distantes do cérebro, participando ainda nos processos cognitivos complexos, como a memorização e a aprendizagem. Os astrócitos conseguem aumentar a intensidade dos impulsos eléctricos nos axónios libertando neurotransmissores. Por exemplo, a comunicação química entres as sinapses na área do hipocampo é essencial para o bom funcionamento da memória e, consequentemente, torna-se crucial para a capacidade de aprendizagem de qualquer ser humano.
Visto que estas células são a garantia do bom funcionamento do sistema nervoso, muitos distúrbios e doenças neurológicas e até algumas patologias psicológicas tem origem ou estão relacionadas com a neuroglia. Por exemplo, a degeneração de microglia pode estar relacionada com a demência na doença de Alzheimer – quando a microglia deixa de exercer as suas funções, o tecido nervoso começa a acumular substâncias tóxicas que levam à sua degradação. Outro caso é o das lesões na medula espinhal que levam a paralisias. Através do bloqueio de algumas proteínas associadas à mielina produzida pelos oligodendrócitos pode-se induzir a recuperação deste tipo de lesões. Também se sabe que os oligodendrócitos e os astrócitos podem ser os responsáveis por alguns casos de esquizofrenia e depressão.
Em suma, as células de glia não só são cruciais para a manutenção da homeostasia no sistema nervoso, mas participam activamente nos processos cognitivos complexos, e o seu estudo pode revelar os mecanismos de muitas doenças e patologias associadas ao tecido nervoso. Neste novo paradigma os neurónios e as células de glia funcionam de forma diferente, mas a sua cooperação proporciona ao cérebro as suas espantosas capacidades.

Belerofonte (pseudónimo) e o seu grupo de MEBiom do IST