sexta-feira, 21 de junho de 2013

Coddy e Joe: vida de cão



Coddy acorda de manhã e olha para o vidro sujo da varanda. Quando o sol da madrugada, mandrião, surge, inundando a antiga varanda de vidro com os seus raios. As pequenas poeiras que flutuam no ar, tornando-se visíveis, e dançam nesta melancolia até se juntarem as suas irmãs que já se pousaram no chão, formando flocos e reunindo-se nos cantos e ao pé das paredes. O reflexo do chão já não é tão nítido devido a esta sujidade que se acumula nas antigas garrafas de vidro e que conquista cada nova garrafa que aparece aqui. Com cada novo dia o seu vidro, inicialmente brilhante, verde ou castanho, adormece e nem os raios luminosos o conseguem acordar. É o destino de todas as garrafas que aparecem aqui - ardem com todas as cores do arco-íris e acabam por morrer cobertas de pó nesta antiga varanda de vidro virada para o Este.
Mas não é só na varanda que estão estes pedaços de vidro colorido, alguns povoaram a sala e outros proliferaram na cozinha. São dadas pelas pessoas que entram e saem ou são originárias das longas estantes  das lojas nas quais nem sempre se pode entrar. Elas trazem o líquido malcheiroso que assusta o Coddy. Nestes momentos ele tenta refugiar-se na casa de banho - um quarto que está quase sempre escuro e húmido, com uma poça de água ao pé da coluna branca. Sim, seria bom ir lá agora, mas o Coddy não consegue sair daqui, a porta está trancada, apenas o vento assopra para as inúmeras fendas que como as rugas da senhora do casaco vermelho se espalham pelo seu rosto e constituem uma prova da sua idade. No entanto, ao contrário da mulher idosa, a porta ainda consegue vencer o cão e este não pode abandonar a varanda.
O Joe consegue abrir esta porta, claro, é uma pessoa - o dono do cão. No entanto, há outras portas que ele já não é capaz de abrir e o Coddy não percebe porquê. Há outros "porquês", mas são demasiados para uma manhã só. Enfim, é mais fácil contar poeiras dispersas no ar, estas não trazem complicação nenhuma.
A vida humana é absurda demais para um cão, porque as pessoas não vivem como tais. O Coddy acha que por vezes ele é como o seu dono, Joe, ou o Joe é como ele, não se pode concluir. Quando as pessoas olham para eles os dois abrem as narinas, elevando o nariz, e juntam os lábios num gesto de desprezo e desgosto profundo. Dirigem o seu olhar para as janelas do comboio como se a paisagem da escuridão do metro fosse o evento mais interessante na vida deles que não se pode perder. Quem é o objeto do seu ódio, o cão ou o seu dono? Ou os ambos?

Realmente, apenas o Coddy compreende o Joe, pois quando olha para ele é como se visse o seu próprio reflexo numa daquelas garrafas de vidro que partilham com eles este pequeno espaço com janelas viradas para o Este.

Anastasiya

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